Justiça que não chega: mães de jovens mortos pela polícia morrem à espera de respostas

  • 11/05/2025
(Foto: Reprodução)
Neste Dia das Mães, o g1 relembra as histórias de Francilene Gomes, Evanira da Silva, Maria das Graças e Cecília Lopes, que tiveram filhos mortos em ações da PM de SP. Mães de jovens mortos pela polícia morrem na espera de resposta Arquivo pessoal Quatro mulheres que transformaram a dor em luta contra a violência policial morreram sem ver a justiça ser feita pelos filhos assassinados por policiais militares do Estado de São Paulo. Neste domingo (11), dia em que é comemorado o Dia das Mães, o g1 relembra as histórias de Francilene Gomes, Evanira da Silva, Maria das Graças e Cecília Lopes, que se tornaram símbolos de resistência e resiliência. ✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp Unidas pela tragédia, elas batalharam por memória e justiça: Francilene pelos mortos dos Crimes de Maio de 2006; Evanira e Maria pelas vítimas do massacre de Paraisópolis; e Cecília, que viu o filho morrer após ser espancado por policiais em Sorocaba. As mortes dessas líderes escancaram uma ferida aberta: a dor de mães que lutam até o fim sem resposta das instituições. 👉 Uma pesquisa da FGV Direito SP, divulgada pelo g1, revelou que nenhum policial envolvido nas 946 mortes decorrentes de intervenção policial no estado de São Paulo, entre 2018 e 2024, foi denunciado pelo Ministério Público. Os dados evidenciam um cenário de persistente impunidade. (Leia mais.) Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de SP disse que "as forças de segurança do Estado são instituições legalistas e não compactuam com excessos ou desvios de conduta de seus agentes", e que, desde 2023, mais de 550 policiais foram presos e 364 demitidos ou expulsos das corporações (leia a íntegra mais abaixo). Evanira da Silva Evanira com o filho Eduardo e neto Arquivo pessoal Em 1° de dezembro de 2019, a vida de Evanira da Silva virou de cabeça para baixo. Ela perdeu o filho caçula Eduardo, de 21 anos, durante o episódio que ficou conhecido como massacre de Paraisópolis. No dia, mais de cinco mil pessoas participavam do baile da DZ7, na Zona Sul de São Paulo, quando a Polícia Militar encurralou jovens num beco sem saída, lançando bombas de gás lacrimogênio. Nove jovens morreram e 12 ficaram feridos. Na época, os PMs alegaram que perseguiam dois suspeitos de roubo que estavam numa moto — que nunca foram encontrados. Em suas defesas, ainda afirmaram que as vítimas morreram acidentalmente ao serem pisoteadas. Doze policiais respondem em liberdade pelos homicídios. Evanira morreu aos 57 anos no último 29 de abril sem ver os agentes serem condenados. Após mais de cinco anos do massacre, os PMs ainda não foram julgados, pois o processo segue na fase de instrução. “Ela foi com essa dor no coração dela, ela não conseguiu ver justiça pela vida do meu irmão”, desabafa Graziele dos Santos, filha de Evanira. Graziele contou ao g1 que a mãe nunca mais foi a mesma após a morte do caçula, que deixou um filho de três anos. A dor da perda foi acompanhada por um sentimento de impunidade que, segundo Graziele, consumia Evanira. "Ela sempre falava que não ia ter paz enquanto eles não fossem julgados, não fossem condenados." 5 anos após 'Massacre de Paraisópolis', PMs acusados ainda não foram interrogados Além da dor, veio o medo. Depois da tragédia, Evanira passou a viver em pânico sempre que via uma viatura da Polícia Militar. A presença dos agentes se tornou um gatilho para a morte violenta do filho. "A minha mãe era uma pessoa muito amável, mas em relação à polícia ela pegou um medo fora do normal. [...] Na época [após o massacre], teve um policial que veio trazer um papel para ela comparecer numa delegacia em São Paulo. Ela ficou apavorada, porque achou que ele veio matá-la", relembra Graziele. A família chegou a receber uma indenização do governo do estado, intermediada pela Defensoria Pública, pela morte de Eduardo. O valor permitiu a compra de uma casa em Carapicuíba, na Grande São Paulo, para dona Evanira. "Eles acharam que estavam comprando a gente com dinheiro, mas a vida de uma pessoa não tem preço", afirma Graziele. "Ela comprou uma casa bem bacana, uma casa grande. Porém, minha mãe falava que preferia estar dentro da antiga casa com filho vivo do que estar vivendo dentro da nova sem o meu filho. Ela dizia viver sem paz, sufocada e infeliz. 'Para que uma casa grande dessa, sendo que eu não tenho meu filho aqui do meu lado?', ela se questionava". Apesar da dor que carregava, Evanira se tornou uma referência de acolhimento. Conhecida como uma mulher generosa e guerreira, ela transformava a própria casa num refúgio para familiares e vizinhos. "A casa da minha mãe, todo final de semana, era cheia. Minhas tias, minhas primas, meus primos, todo mundo se reunia para tomar café com ela", lembra Graziele. Mais do que uma irmã, Evanira era considerada a mãe de todos. "Ela sempre tentava ajudar as pessoas, até com roupa, alimento. Se soubesse de alguém que não tinha, ela ia atrás." Agora, sem ela, a família tenta manter viva a memória da mulher que, até o último suspiro, lutou para que o nome do filho Eduardo não fosse esquecido e para que a justiça, um dia, finalmente chegasse. Maria das Graças Maria das Graças com o filho caçula Bruno Arquivo pessoal A advogada Maria das Graças Reis da Silva também perdeu o filho caçula, Bruno Gabriel, durante o massacre de Paraisópolis. Ele comemorava o aniversário no baile funk quando foi morto. Aos 70 anos, Maria das Graças morreu em razão de um câncer na garganta em março do ano passado. Segundo sua filha, Vanine Siqueira, a doença foi agravada pelo sofrimento e pela dor da perda do filho. Durante anos, Maria das Graças manteve um ritual: todas as segundas-feiras, ia ao cemitério visitar o túmulo do filho, levando brinquedos e bolos, como se ele ainda fosse uma criança. "Nos últimos meses, ela já não tinha mais força para ir, mas até o fim guardava um saquinho com presentes para ele", contou Vanine. A perda do irmão e da mãe em sequência desestruturou a família. "Eles não acabaram só com a vida do meu irmão, destruíram uma família inteira". Segundo Vanine, a demora no julgamento dos policiais responsáveis aumenta a sensação de injustiça e impunidade. "Minha mãe morreu sem ver nada ser feito. Eles continuam recebendo seus salários, vivendo suas vidas, enquanto a nossa foi completamente destruída", desabafou. Mesmo com a dor, a advogada nunca generalizou sua crítica à polícia, apesar de vir de uma família ligada às forças de segurança. "Minha mãe dizia que em todas as profissões há bons e maus profissionais. O que ela queria era justiça para aqueles que cometeram o crime", lembrou Vanine. Para ela, a morte da mãe representa mais um retrato da impunidade que cerca casos de violência policial no país. "Toda mãe que perde um filho perde também parte de si. E enquanto não há justiça, essa dor só aumenta. A minha mãe foi embora levando essa dor e essa frustração. E infelizmente, outras Marias seguem morrendo sem ver justiça." Como legado, Maria das Graças sempre incentivou os filhos a estudarem e a espalharem amor. "Ela dizia: ‘Deus é justo e ninguém vai embora dessa vida sem pagar pelo que fez’", recordou a filha. E enquanto a justiça oficial não chega, Vanine promete seguir lutando em nome da mãe e do irmão. "Enquanto eu tiver vida, eu vou gritar por justiça. Não vou deixar o caso do Bruno ser esquecido." Cecília Lopes Cecilia Arquivo pessoal Cecília Lopes é mais uma mãe que teve a vida atravessada pela dor de perder o filho para a violência policial. Ela morreu no último 28 de abril sem ver a justiça ser feita e deixou como legado a ONG Lucas Vive, em homenagem ao filho. Na madrugada do dia 1º de janeiro de 2019, Lucas Lopes foi assassinado após ser espancado em Sorocaba, no interior de São Paulo. O jovem cabeleireiro de 23 anos voltava a pé de um baile funk, quando passou a ser perseguido por policiais — que estavam em patrulhamento para coibir pancadões. No dia, Cecília foi avisada sobre a agressão e correu para o bar, flagrando um policial chutando Lucas. “Se você der mais um passo, eu mato esse lixo”, afirmou o agente enquanto colocava o pé sobre o peito do jovem. Passado seis anos, apenas um PM se tornou réu pelo homicídio e aguarda pelo julgamento em liberdade. O irmão de Lucas, Israel Lopes de Azevedo, conta ao g1 que a perda do jovem teve um impacto devastador sobre a mãe. "A morte do meu irmão destruiu literalmente a minha mãe, ela perdeu a vontade de continuar a viver", disse. Cecília e o filho Lucas Arquivo pessoal Segundo Israel, após a morte de Lucas, muitas pessoas procuraram Cecília para contar sobre as ajudas que o jovem prestava — mesmo com poucos recursos — o que deu um novo propósito a ela. "Minha mãe passou a abraçar algumas pessoas e ajudar da forma que conseguia, começou a apoiar as mães que passaram pela mesma perda e dor que ela", contou. E assim nasceu a ideia de transformar o apoio em uma organização formal. A ONG Lucas Vive foi fundada para "eternizar a memória do Lucas, transformar toda dor em ajuda e amor". Para Israel, a demora no julgamento e a impunidade do caso levantam dúvidas sobre o sistema de justiça do país. "Quem deveria proteger nos faz virar alvo e segue impune perante todo crime e crueldade". Segundo ele, a cada dia sem resposta, a dor se renovava para Cecília. "Toda mãe que perde um filho, perde parte de si. A demora em ver a justiça ser feita não traz o filho de volta, mas representa um pedaço de paz e esperança que ainda há mínima justiça". Francilene Gomes Francilene Gomes era Arquivo pessoal Francilene Gomes Fernandes — conhecida carinhosamente como Fran — teve o irmão Paulo Alexandre Gomes, de 23 anos, assassinado durante os Crimes de Maio, em 2006. A irmã Juliana Gomes Fernandes, de apenas 17 anos, também foi vítima de violência policial no final dos anos 1990. Fran morreu aos 44 anos em setembro do ano passado após perder a luta para um câncer na tiroide e sem ver a justiça pelos irmãos. Ela também deixou três filhos: Julia de 22 anos, Sofia de 12 e Noah de 5. O episódio dos Crimes de Maio foi uma das maiores ondas de violência da história de São Paulo. A crise começou quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) organizou ataques contra forças de segurança em retaliação à transferência de líderes para presídios de segurança máxima. Em resposta, as polícias Militar e Civil lançaram uma forte repressão nas periferias da Grande São Paulo e do litoral. No total, mais de 500 civis foram mortos em apenas uma semana, a maioria jovens negros e pobres das periferias — sendo Paulo umas das vítimas. No caso de Paulo, após quase 20 anos do crime, o corpo nunca foi encontrado, por isso a família nunca conseguiu se despedir propriamente do jovem. Como Fran costumava lamentar, ela não tinha um local para deixar uma vela ou um vaso. Apesar de ter perdido os irmãos, Fran se engajou no movimento Mães de Maio, sofreu ao longo da vida como se tivesse perdido os próprios filhos e também se tornou o pilar da sua família, uma mãe para todos. Doutora em Serviço Social, pesquisadora e professora universitária, ela se tornou uma referência na luta contra a violência de Estado e pela defesa dos direitos humanos. "Eu não sossego até tirar a farda desse assassino que matou meu filho", dizia Fran. Fundadora do movimento Mães de Maio, Debora Silva conta que adotou Fran como filha e a ajudou a enfrentar o luto e a transformar a dor em luta. Com o passar dos anos, a assistente social passou a frequentar o grupo e a representar as Mães de Maio em palestras e eventos. Fran também adotou como uma espécie de uniforme a camiseta vermelha com o logo das Mães de Maio. "Era uma das maiores ferramenta dela. [A camiseta] é o nosso escudo e a bandeira, e ela vestia a camisa", conta Debora. No ano passado, a pesquisadora também lançou o "Tecendo resistências — trincheiras contra a violência policial" que discute a violência policial em São Paulo responsável pela morte de dezenas de jovens negros, indígenas e periféricos. O legado que ela deixou para nós é resistência, olhar para a periferia, olhar para a família, a união, a transformação para o mundo melhor que é possível e junto com as Mães de Maio. Ela foi produzindo esse legado, porque ela já nasceu com esse legado. Para Debora, o Estado também falha na falta de acolhimento, especialmente psicológico, das mulheres que enfrentam o luto pelos filhos, irmãos e pais — vítimas da violência policial. "Se fala muito na porcentagem de matar os meninos pretos, mas onde estão essas mães pretas? Se o menino é preto, a mãe é preta. Onde estão essas mães que ninguém tem um olhar para elas depois do luto? E a gente reivindicando o tempo inteiro, as mães morrendo", desafaba Debora. Francilene era assistente social e pesquisadora Reprodução/Redes sociais O que diz a SSP Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse: "As forças de segurança do Estado são instituições legalistas e não compactuam com excessos ou desvios de conduta de seus agentes. As corporações promovem treinamentos constantes e contam com comissões especializadas para aprimorar os procedimentos. Por determinação da SSP, todos os casos de morte decorrente por intervenção policial (MDIP) são investigados com rigor pelas corregedorias, com acompanhamento do Ministério Público e do Judiciário. Os casos, após investigados, foram relatados à Justiça. Desde 2023, mais de 550 policiais foram presos e 364 demitidos ou expulsos das corporações".

FONTE: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/05/11/justica-que-nao-chega-maes-de-jovens-mortos-pela-policia-morrem-a-espera-de-respostas.ghtml


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